CUOTIDIANO

segunda-feira, maio 18, 2009

Avé Sofia!


- Avé Sofia!
- Sofia? Estás parvo ou quê? Não é "Sofia" coisíssima nenhuma!
- Já sei, Vanessa Soraia! É isso! Avé Vanessa Soraia!
- Quais “Vanessa Soraia” quais quê, pá! Vanessa Soraia é aquela stripper, a que é amiga do teu primo, não te lembras?
- Ai a chatice… Então mas diz lá tu, ó Sr. Cultura: é “Avé” o quê?
- Também não me lembro, desculpa, talvez… Avé Ermenengarda?
- Eh pá, estás parvo de todo – assim é que não é de certeza! Mas, realmente, não estou a ver…

- Calem-se os dois, suas bestas! Não sabem, sequer, como eu me chamo, seus ignorantes? O nome é Caesar, Gaius Julius Caesar, ou apenas “César” para os amigos! - Esclareceu, indignado, o Imperador, enquanto dava um último retoque na maquilhagem – um pouco de rímel vindo da Gália e um blush pesseguinho oriundo de Alexandria -, antes de se sentar no melhor lugar do Coliseum – ou apenas “Coliseu” para os amigos -, onde iria assistir, deliciado, a mais um leonino devorar da ignorância.

Etiquetas: ,

terça-feira, maio 12, 2009

Catânia

- Obrigada, gostei do almoço. Temos que repetir. - Foi tudo o que ela lhe disse na despedida. Mas a ele soube-lhe a muito mais que isso, quase a música, quase a beijo.

Ele estava ali de passagem. Sentara-se naquela solarenga esplanada siciliana, cansado do que já percorrera a pé nas obrigatórias voltas turísticas que havia a dar - incluindo, até, um sentido cumprimento ao pobre do elefante que alguma mafiosa bruxa transformara em fonte. O Etna estava bem disposto, nem uma faísca, o mar tão calmo quanto sempre, nem uma mais pequena onda. Começou a aquecer ao sol, qual lagarto mas de sangue ainda quente (por quanto tempo?). E estava com fome.

- Posso?

Ela chegara. Disfarçada de anjo por sua vez disfarçado de mulher, ainda pingando beleza e cheiro de céu, sentou-se. Olharam-se. Já se haviam cruzado, já se haviam falado, ela morava próximo do hotel onde ele estava hospedado e, evidentemente, desde a primeira vez em que a vira, sabia perfeitamente que nunca seria possível esquecê-la. E sem que tivesse percebido muito bem como, haviam combinado encontrar-se naquela tarde, mas nada de especialmente concreto. (Como é que teria ela descoberto que ele estava ali?)

- Almoçamos?

Ela tinha idade para ser filha dele - mas provocava-lhe todos aqueles estranhos sentimentos que reexperienciava de novo, relembrando todas aquelas inexplicáveis voltas de estômago e coração, depois dum interregno de muitos, infindos anos. Mas, precisamente pelo tanto que dela ia gostando, respeitava essa diferença, queria que se mantivessem intactos todos os destinos que ela ainda teria a percorrer, que toda a vida que ela transportava e derramava pelo ventre e pelos olhos continuasse à prova dele, que todo o tempo que o mundo lhe havia ainda reservado - com todos os momentos cheios de desilusões e felicidades e gritos e lágrimas, com todos os momentos cheios que ela ainda teria pela sua frente -, fosse dela, apenas dela.

- Já escolheu?

Assim, apesar de ser tudo o que ele mais desejava e por mais subjugado que se sentisse pelo que ela o atraia, não queria atrapalhar, mexer na vida dela. Por isso não fez quaisquer avanços nem jogadas estudadas e treinadas ao longo de anos, limitando-se somente a deixar o tempo fluir, embalado pela brisa que lhes soprava o sol para os corpos. E quão sublime era o dela, transbordante daquele pulsar de vida que só os jovens têm, corpo integralmente concebido a partir dos seus excelsos azuis olhos de fonte. E quando ela ria... por vezes, eles choravam uma alegria até ali guardada – quem sabe? – só e exclusivamente para aquele momento, os contornos de pintura clássica de seus lábios tomavam forma de pássaros que esvoaçavam desejos pelo ar, os seus dedos – que ele tanto queria, apenas e só, tocar, nunca o tentando sequer – iam, delicada e periodicamente, provar suas lágrimas de arco-íris. E ela ria. E era ele que a fazia rir. Perfeição. Perfeição é deixarmo-nos levar pelo riso. Perfeição era.

- Cozinham mesmo bem aqui...

Deliciava-se a olhá-la. Ouvia cada palavra que ela lhe dava, descascando-a completamente de sentido para poder, somente, inebriar-se com o tom suave e o ritmo lento que dentro transportava, sincopando cada frase que ela melodiava. E as palavras assim desnudas traziam, por sua vez e em cada breve instante de uma sílaba, o efémero sonho de um afecto que, um dia, poderia ter dela, mesmo sabendo que tal nunca sucederia, já que não só ele nada faria para que tal acontecesse como também seus mundos paralelos nunca se tocariam - tal qual eles mesmos.

- Sobremesa?

Consequentemente - ele sabia-o de há muito -, seria sempre um amor impossível. Também por isso ou talvez apenas por isso, estava completamente despreocupado, deleitando-se, apenas, com aqueles sublimes instantes em que a saboreava, por toda aquela beleza imensa, por toda a sua juventude, crepitante, abrupta, selvagem, de desejos e utopias – ou, por vezes, tão só de disparates, à luz do olhar mais desgastado dele. Mas linda que ela ficava em cada rubor que lhe surgia, fruto do seu entusiasmo com a vida, com os sonhos em que, inocentemente, acreditava como planos.

- Vamos?

Veio o empregado com a conta, vieram os mundos paralelos com a realidade. Era o exacto tempo de seguirem os seus caminhos. Distantes.

- Obrigada, gostei do almoço. Temos que repetir.

Não repetiram. Enquanto os passos dela, afastando-se na calçada, ecoavam dentro dele como um réquiem estranhamente alegre, tudo o que ele mais desejava era que se encontrassem de novo. Mas, justamente por isso, pelo que sentia por ela, não queria tocar-lhe (“quando se toca as asas de uma borboleta ela deixa de voar”, pensou), não queria - conforme já estava farto de remoer - alterar-lhe nem o rumo nem, sequer, os tempos certos de cada pedaço de vida que ela haveria de trincar e longamente abençoar. É que, sem que ela soubesse nem que ele lhe desse a entender, amava-a à sua estranha maneira. Ou seja, clandestinamente. Em sabores.

- Ciao.


“Gostei de ti”, foi a última coisa que ele pensou antes de reentrar para a camioneta de turismo. Ao longe, o mar continuava calmo e o Etna adormecido. Ela também continuava. Linda. Para sempre.

Etiquetas:

sexta-feira, maio 01, 2009

Pastar caracóis no Sara

Circulam pelos jornais e pelos blogues textos inflamados em defesa de um senhor cujo único objectivo de vida é, disfarçado de opinador (no caso, provavelmente da família de “ópio”, não de “opinião”), insultar os outros, criando “sound bytes” de trocadilho fácil, dizendo alarvidades com ar letrado, possivelmente achando que assim demonstra a sua “independência”, a sua “superioridade moral”, ou o “sou muito macho e dou porrada neles”. Pessoalmente, já tive a impagável experiência de trocar e-mails com esse senhor, a propósito de um seu artigo que continha inúmeras imprecisões e mentiras referentes à minha profissão (sempre escritas com um ar de profundo conhecedor do assunto...) e que afectavam e alteravam directa e completamente as conclusões que tirava – conclusões essas que, claro, serviam apenas e só para injuriar alguém, como é seu hábito compulsivo. Inevitavelmente, essa correspondência terminou com a referida criatura a insultar-me gratuitamente quando se lhe acabaram os argumentos. Porque argumento, argumento, é coisa que lhe falta – ao que parece os (já de si poucos) neurónios que tratavam da argumentação foram desviados para o insulto. Claro está que a conversa ficou por aí, tendo eu na altura posto a hipótese de o processar. Como, aí sim, seria “David contra Golias”, desisti da ideia. Confesso que, agora, acho que fiz mal.

Mas adiante. Como, na minha opinião, já ultrapassa das marcas toda esta onda populista e absurda de defesa desse escriba alarve, resolvi transcrever aqui parte de um artigo de Miguel Sousa Tavares - que, como é evidente, é perfeitamente insuspeito não só em relação a Sócrates como, principalmente, no que toca à liberdade de imprensa. É que, como “a mentira voa e a verdade coxeia”, mais vale parar um pouco, pensar, e concluirmos algo por nós próprios a partir dos factos, do que, ao invés, nos entretermos a esvoaçar com as palavras e mentiras fáceis de alguém que, por lhe darem espaço num jornal, julga que tem importância e relevância muito superiores à sua pequenez de espírito. Mas atentem, então, nas palavras abaixo.

“Há um tipo - que tem o mesmo apelido que eu e que escreve semanalmente no "DN", onde se especializou na ofensa fácil - que escreveu que Sócrates falar de moral é o mesmo que Cicciolina falar de virtude, ou coisa que o valha. O cidadão José Sócrates, sentindo-se ofendido (como qualquer um de nós se sentiria), põe um processo ao ofensor. Tem esse direito? Não: é o primeiro-ministro a intimidar um 'jornalista'. E o 'jornalista' vira mártir da liberdade de imprensa na praça pública. Fala-se em "ameaças intoleráveis", da liberdade em risco, da heróica e antiquíssima luta da imprensa contra o poder, do "jornalismo de investigação" contra as pressões políticas. Liberdade? De imprensa? Ora, vão pastar caracóis para o Sara!”


Com os meus respeitosos cumprimentos ao “jornalista” sr. João Miguel Tavares.

Etiquetas: ,