CUOTIDIANO

quarta-feira, março 28, 2012

No fim do Mundo

No fim do mundo pensaste em mim, eu sei, era talvez o momento último e portanto certo – e consequente e tal e coisas - para o fazer, talvez sentir, para que algo entre nós acontecesse. Se calhar apenas e só porque o fim do meu mundo eras tu, apenas e exclusiva e excelsamente tu e os teus lábios de mel. Mas

Afinal… o fim de nada era Ushuaia, apenas o momento, apenas os momentos de nós. Talvez mortos mas, também, talvez vivos, talvez só o mundo sem fim de nós, talvez pensamento, talvez delírio, talvez nada. Talvez tudo ou apenas e talvez apenas Ushuaia. Mas

Quando a saudade de ti apertou, a verdade é que ao longe não havia barcos para que nos cruzássemos, para que nos cabinássemos, talvez não houvesse gelo para quebrar, talvez apenas nós, talvez apenas corpos, e saudade, e vontade, e sorrisos inúteis de tão saborosos. E que fazer? Vivos estávamos, embora distantes. Mas – felizmente – mesmo estando não o sabíamos. Fixe… Mas

(Lembro quando ansiava pelo fim do teu vôo, achando-me o último guardião da gravidade, vai, vai, aguenta-te aí no ar, ah engenheiros do catano que conseguiram inventar um processo de manter a “carrêra” no ar, ‘bora aí, falta pouco…)

Agora passou tanto, tanto tempo, inútil, disfarçado, distante. Agora passou tempo. Agora passou tanto. E agora já não há “nós” para apresentar aos amigos incomuns, há apenas eu, tu, e a tal de saudade matematicamente unívoca. Mas

(Quando aterraste, o alívio… ‘pera aí, falta um “uffff”…)

Tudo está desfasado, não vês? O tempo, nós, os nomes (não, não sou Rui Jorge!), tudo está mal.


(Vai um gin? Em Ushuaia?)

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sexta-feira, março 23, 2012

Parêntesis


(Será que ela aceita um copo?)
(Mas quem será aquele palerma que não pára de olhar para mim?)
(E se eu me aproximasse?)
(Não acredito – será que aquele totó vem ter comigo?)
(E se eu lhe perguntasse se ela acha que os biofísicos são uma espécie em extinção?)
(Mas que coisa mais estúpida… mas deu-me vontade de rir, confesso. Deverei aceitar o copo?)
(Olha, ela aceitou, a estupidez compensa! Será que me aguento à bronca?)
(Não estou a pensar dizer-te o meu nome, tens alguma coisa contra?)
(Não, nada, absolutamente nada, desde que eu também possa continuar assim, anónimo. Pode ser?)
(Claro, até prefiro. Já agora, pode saber-se porque é que, a esta hora, ainda aqui andas?)
(Por ti! Pode ser?)

Os corpos estavam nus, abraçados, moviam-se ao ritmo certo da música que haviam ouvido – sentido? -, na cadência do amor mera e excelsamente temporário que sentiam e que sabiam existir entre eles, se calhar talvez fizessem amor, talvez dançassem, talvez tomassem banho agitando o braço do duche como se deles - humanos, carentes -, se tratasse, marcando o ritmo, marcando o desejo, suando o medo do dia seguinte mas, simultaneamente, afogando-o na coragem alcoólica do momento. E a banheira enchia e as canções do passado invadiam o momento, cada vez mais estranho, cada vez mais possuído, catártico, libertador. Como ele a amava. Como ela o amava. Mas apenas e só naquele momento único e que, portanto, passou a ser tudo o que interessava – e, mais portanto ainda, eterno. E não é que as velas se acenderam sozinhas? Portentosamente?

(Acordei. Será que ela se lembra de mim?)
(Acordei. Vou fingir que ainda durmo, pode ser que ele se vá embora. Mas será que o quero?)
(E se eu saio agora, será que a reencontro? Será isso que quero?)
(Pira-te, sacana, não vês que gostei de ti?)

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sábado, março 10, 2012

Alentejo

Havia uma nuvem.

Eles estavam sentados, deitados, numa cadeira, cama – algo com almofadas – mas estavam juntos.

E havia uma nuvem.

Juntos.

De mão dada.

(Já viste que parece mesmo um pato? Olha ali o bico.)

Apertavam as mãos e amavam-se sem corpos – melhor, como se fossem os últimos representantes da alma.

(A mim parece-me mais algo grandioso, tipo Adamastor.)

Ele deu-lhe um beijo, enquanto o silêncio do Mundo a banhava de erva e cigarras. Sem dar por isso, ganhavam a inocência há muito perdida.

(Só se for um primo muito afastado, este não mete medo a ninguém, nem àquele jacto que acabou de o trespassar!)

Sorriram.

Ela deu-lhe um beijo. De novo e de novo.


À medida que o vento soprava cada vez mais, só lhes vinha o cheiro das vacarias próximas, nada de transcendente ou sonhado ou minimamente poético. Mas o Sol aquecia-lhes as entranhas e o sangue, ferviam das mãos apertadas, ficavam mais vivos a cada beijo.

(Estou-te a dizer que é um pato!)



Havia uma nuvem. Deitaram-se nela – algo com almofadas -, abraçaram-se, adormeceram e nunca mais acordaram.



Havia o Alentejo. Uma nuvem. E um Amor enorme.

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