CUOTIDIANO

sexta-feira, fevereiro 08, 2013

Atlântico Norte



Ela navega sobre todas as palavras, ao ponto dos sons a terem feito nascer de uma só – “doce”, que é a palavra perfeita. Para ela. Como ela.

Corrigindo: Ela é doce quanto navegar sobre todos os sons, ao estranho ponto do prazer de nos deixarmos afogar no amor feito pelos madrugadores apitos das fábricas com a grande sinfonia esquecida do último bêbado que, em gritos desafinados, roubou a noite. E, depois, o som do seu sorriso prolonga a doçura dos próprios sons, naquele infindo gozo dos inesquecíveis momentos que vivem apenas e só nos pequenos instantes a que chamamos eternidade.

Corrigindo outra vez: Ela é o som da palavra “doce”, ela é o som de todas as palavras, tão doce quanto seu corpo, sua voz, ou apenas sua imagem refletida nas ondas que dão à costa, sôfregas de terra firme - mas embaladas de sonhos -, mais doce que a última maré de Verão beijando o pôr-do-sol, que as mãos apertadas dos amantes que resistem, que a maresia disfarçada dos mil cheiros da madeira molhada, por entre o chamamento da lua. Aliás, mais doce, ainda, que a limonada da infância, com quilos de açúcar e sabor a família, a avós. E saudade.

Pureza. Se calhar “pureza” é a única palavra dela pela qual eu trocaria “doce”. Talvez. Mas do mesmo modo que não trocaria uma troca de olhares – de palavras, que fosse – com ela por mais nada, se calhar não teria coragem de trocar de palavras. (Talvez). Pensando melhor: se calhar – por ela – até roubaria “pureza” e acrescentá-la-ia a “doce”, mesmo arriscando prisão morfológica. Ficaria, então, “pudoce”, eventualmente “doceza” – ou, se calhar, apenas “namorada”, a palavra mais bonita que jamais inventaram.

(Não minha, não de ninguém, apenas da vida pura, doce, de toda a Vida que maiusculamente ela merece. É que ninguém a atará a nada – nem a própria vida -, já que a Liberdade lhe pertence, ela É a Liberdade, e está mesmo ali, aqui, em todo o lado, ao virar da esquina dos sonhos que todos temos. Ou seja, onde ela vive. Docemente.)