CUOTIDIANO

quarta-feira, março 25, 2009

Um telefonema de Sócrates a Deus (através do Magalhães, claro!)

Quando Sócrates pensa em Deus, pensa em hotéis de charme.
Quando Deus pensa em Sócrates, pensa “chiça!”
No entanto, falam-se. Confuso?
Bom. Após este importantíssimo e indispensável preâmbulo, há apenas a referir que o que se segue não é mais que a transcrição de um diálogo entre ambos, apenas possível de reproduzir não só porque não estamos em cativeiro como, também, porque esta escuta em particular não teve qualquer interesse para o caso “Apito Dourado”. Ah, e porque, como é evidente, sou menino de vasculhar o lixo dos outros – aliás, foi assim que conheci a minha primeira namorada. E a segunda. E uma ratazana. Ah, que ratazana… tinha cá umas… enfim, adiante. Citemos, então.

- Oi, Dr. Deus, tudo bem?
- Tudo. Então, ligas porquê?
- Para já porque és tu a pagar, pois estou a telefonar à cobrança para não aumentar a despesa pública. Em segundo…
- ‘Pera aí! Sou eu quem está a pagar?!
- Sim, és. E então, qual é o problema? Deixa mas é de ser forreta que tu vives aí de borla, num apartamento com uma vista privilegiada sobre o Inferno e, ainda por cima, comprado a um preço muito inferior ao que pagou o teu vizinho do lado!
- Bom, está bem, por esta passa – mas só porque eu estou com pressa por ter um santo ao lume. Diz lá rapidamente o que é que queres, vá, despacha-te.
- Olha, dava-me jeito que o deficit não ultrapassasse os 20%. É que este ano vai haver eleições e isto só lá vai com um milagre. Achas que me poderás ajudar?
- Não sei, respondo-te depois. Por anjo-correio.
- “Anjo-correio”? Queres dizer “pombo-correio”, não é?
- Não, por aqui os pombos são usados apenas para reprodução, como fiz com o meu filho. “Anjo-correio”, disse bem.
- Ouve lá, estás a brincar comigo, não estás?
- Estou, claro. Respondo-te e é já: da maneira que isso anda, nem com milagres! Esquece.
- Então e se eu te desse algo em troca, reconsiderarias?
- Depende. O que é que tens para me dar? Olha, só se me arranjares umas virgens, que isto anda mau à conta dos palermas dos muçulmanos, que andam para aí a fazer-se explodir em tudo o que é sítio e eu tenho de arranjar 70 para cada um que chega… e, só nos últimos anos, entraram mais de 10.000. Acho até que vou ter de despedir o S. Pedro – que deixa entrar toda a gente - e contratar um armário de discoteca!
- Já sei, dou-te o Manuel Alegre, que é uma virgem ofendida e diz que representa um milhão.
- Um milhão? Não achas isso um exagero por uma Helena Roseta de calças?
- Eh pá, se quiseres até te mando de bónus a própria Helena Roseta de barbas, mas leva-me lá esse tipo que já estou completamente farto dele - é que o fulaninho nem sequer aceita ser deputado europeu, que é a minha versão Armani dos Goulags! Então, aceitas este subornozito ou não?
- Aceitar aceito, mas vê lá se cumpres a tua parte, que não estou para ser enganado. É que eu também vejo televisão – principalmente programas sobre confecção de caracóis e bricolage, reconheço – e parece-me que às vezes te metes numas trapalhadas valentes, como com aquela história do Freeport!
- Mas ainda não percebeste que, quando eles me perguntam sobre o Freeport, eu respondo sobre o Freepor? Assim nunca minto, entendes? Estou mesmo a ver que nunca tiveste “Inglês Técnico”… Bom, mas então fica assim: eu envio-te o Manuel Alegre representando - já com um desconto especial que eu faço só para ti - 150.000 virgens para compensar as que perdeste e, em troca, tu tratas de pôr o deficit em 19,99%. Combinado?
- Está bem, combinado. Mas… espera lá. Se eu perdi 700.000 virgens, como é que 150.000 me podem chegar?
- Pensa um pouco: se não contares com as que perdeste, ficas a ganhar 150.000, percebes? Acredita em mim, já testei esta metodologia em Portugal e resulta na perfeição.
- Bom, mas quero mais uma coisa: um produto para me escurecer as sobrancelhas.
- ??
- Sim, e qual é o problema? Não és tu que, aparte os bonecos da Disney, és o exemplo acabado de uma imagem animada?
- Está certo, tens razão. Olha, só mais uma coisa antes de desligar: queres algum conselho meu sobre como é que hás-de gerir as coisas por aí? Estás à vontade! É que eu já reformei o Estado, a Segurança Social, tratei da disfunção eréctil, resolvi todos os problemas socioeconómicos, erradiquei a pobreza, acabei com o pé-de-atleta, baixei a Euribor, ganhei as eleições de 2013 e muito mais. Por isso, já sabes: podes contar comigo para te ajudar em qualquer coisa que queiras.
- Eh pá, desculpa que te diga, mas estás cada vez mais arrogante e convencido. Meu Deus…
- Convencido, eu?! Olha, só para te desmentir, esquece essa última formalidade e passa a tratar-me apenas por Sócrates.

A gravação ficou por aqui, porque Deus (o que – dizem - anda lá por cima) desligou o telefone a Sócrates (o que – dizem – anda cá por baixo). Por puro bom-senso. Coisa que – digo eu - por cá vai faltando…

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quarta-feira, março 18, 2009

Mêsturbário

Janeiro
Ressaca do ano anterior, ressaca da garrafa anterior, arrasta-se penosamente até ao mês seguinte, qual moribundo em campo de batalha, acreditando que a reencarnação é possível. (Talvez seja, mas abdicando da forma de mês, passando a corporizar-se apenas num sável. Preferencialmente grelhado, à conta do colesterol. Por causa das rabanadas de Dezembro. E assim.)
Fevereiro
Mês instável, incerto, inseguro, no fundo mês in. «Será que acabei? Tão cedo? E para o ano, a mesma graça? Será que poderei implorar mais um dia?» Enfim, quem quer que decida, o facto é que só o atende de quatro em quatro anos.
Março
As vacas dão lã, os pássaros limpam o estrume com vassouras afiadas, os cavalos voam com asas enceradas pela brisa - até a cantora careca encanta. Enfim, com o cheiro a Primavera, tudo é possível. Mesmo.
Abril
Chegam as últimas chuvas, as de compreensão lenta – disfarçadas de “ah e tal o quê já não estamos no Inverno?” E as primeiras mentiras.
Maio
Os trabalhadores não tomam o poder porque estão demasiado ocupados a fazer manifestações contra o poder instituído. Ou ginástica no INATEL.
Junho
A temperatura faz valsas, a humidade perde-se pelo ar… e quando é que alguém grita que não é essa a mudança que quer?
Julho
O Sol disfarça-se de deus egípcio, rodopia pelos ombros, vai, vem, esquece e relembra. Os amantes suam e sabem bem dos corpos. E os corpos sabem bem. Sabem a amantes.
Agosto
O tempo permanece parado à sombra de uma árvore sequiosa de um tempo sem tempo, sequer, para a sede. A cidade também pára, à mercê de uma outra sede qualquer. A pele estorrica. Fervilha. Homens e mulheres, sonâmbulos de vida, buscam as fontes. As fontes, convencidas, escondem-se nas suas próprias silhuetas. Claro.
Setembro
Começa a arrefecer e os signos ressurgem de estranhos hímenes, religiosa e estranhamente guardados pelo Verão. As flores, ainda mais estranhamente, recusam ser regadas. Na escola, os contínuos estremecem. A Torre Eiffel, por seu lado, continua a descolar do frigorífico.
Outubro
Folhas. Mais folhas. Ainda mais folhas. De onde virão? De árvores que não admitem envelhecer? De um outro Verão, mais que morto, após séculos de pneumonia? Se calhar sobram, apenas, de uns estranhos versos melancólicos, versão erudita das cólicas de um rei que nunca virá, como que um D. Sebastião dos bêbados.
Novembro
Vertigem do fim, desespero de medianos, não é carne nem peixe – pior, é uma espécie de marisco podre a tentar sobreviver no mar dos sargaços.
Dezembro
Árvores abatidas por uma depressão em que não há Freud nem Jung nem, sequer, uma estranha luta de classes entre a turística e a executiva que as safe – só mesmo lenhadores experientes, que lhes cortem apenas as pontas, quais barbeiros sem Parkinson. E sem barbaridade. Ah, e nasceu o Cristo em Pombal! (Ou terá sido em Pádua?)

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quarta-feira, março 11, 2009

(Des)Graças

- Estava aqui o vinho para a festa. O que é isto?!

- Água. Sim, fiz um milagre! – respondeu, simultaneamente chorando e rindo, enquanto abraçava e beijava Judas.

Com gracinhas destas… crucificaram-no!

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