Hoje, na Assembleia da República (AR), votam-se os projectos de lei sobre a legalização dos casamentos homossexuais, projectos esses forçosamente condenados ao chumbo, já que a maioria da direita votará “não”, BE e PCP votarão "sim" e o PS votará “eu até era a favor mas por agora não me apetece”. A brilhante desculpa socialista é de que essa questão não foi sufragada pelos portugueses. Então mas... o aumento de impostos foi? Bom, devo ser eu que estou baralhado...
Em relação ao caso em apreço, confesso que me é indiferente se os homossexuais se casam ou não; limito-me, apenas, a estranhar que queiram aderir à instituição que mais infelicidade trouxe à Humanidade ao longo dos séculos - não contando com as repartições de finanças e os Delfins. Mas enfim, provavelmente será para animar as relações com um pouco de sal masoquista. Já agora, estranho mais ainda que os homossexuais não lutem pelo aumento de direitos da união de facto (bem mais importante, parece-me, que o casamento) onde, aqui em igualdade com os casais heterossexuais, sofrem uma real discriminação em relação ao casamento – por exemplo, no caso de morte de um, o outro fica de mãos a abanar...
Mas, na realidade, eu não queria escrever sobre a questão do casamento homossexual – apenas me serve de mote para o fazer sobre a liberdade de voto na AR. Comecemos pelo princípio.
Quando um deputado é eleito, é-o nominalmente; isto é, apesar de integrado numa lista partidária, ganha o seu próprio lugar, do qual só pode sair antes do fim da legislatura por opção própria - nomeadamente tornando-se deputado independente ou renunciando ao cargo -, não podendo o seu (ex-)partido “despedi-lo”. Ora o contra-senso é total quando existe algo, obviamente criado pelas direcções partidárias, chamado “disciplina de voto”. Ou seja, “queiras ou não queiras, votas como te mandarem votar”. Mas ainda mais fantástico (talvez, até, “extremamente giro”) é que, por vezes, as direcções, mui magnanimamente, dão (do verbo “dar”, sinónimo de “oferecer”, “presentear”...) liberdade de voto. Como é que é possível que um deputado, eleito pelo povo, só possa votar como quer e bem entende quando o chefe, generosamente, o presenteia com um maravilhoso instante de liberdade?!
E quando é que esses “momentos natalícios” ocorrem? Normalmente nas chamadas “questões de consciência”, como é, por exemplo, o caso do aborto. Então mas... não é sempre uma questão de consciência (bom, no caso do TGV Lisboa-Porto é mais uma questão de inconsciência), qualquer votação que seja? Ou os deputados têm de esquecer sempre a consciência para agradar ao chefe e garantir o lugar na legislatura seguinte? Então, se assim é, não seria então muito mais barato e eficaz só estarem os “donos das consciências” na Assembleia, cada um com direito a x votos? Mas... espera aí! Nem neste caso o PS achou que fosse um questão de consciência e impôs (aos tais “eleitos pelo povo”) a disciplina de voto, dando-se o caso caricato da maioria da bancada ser a favor e ir votar contra! Ou seja, parece que, actualmente, já nem numa questão de consciência. Bonito...
Comparemos, agora, esta absurda situação com o que recentemente se passou nos Estados Unidos em relação ao “Plano Paulson”, que prevê injectar 700 mil milhões de dólares nos mercados financeiros. A primeira versão do Plano, negociada e aceite pelo actual presidente, pelos dois candidatos à presidência e pelos representantes dos dois partidos (republicano e democrata), foi chumbada(!) pela Câmara dos Representantes, sendo que houve votos divididos nas duas bancadas - havendo, curiosamente, mais votos “não” na republicana. O Plano foi posteriormente revisto e aprovado à 2ª tentativa. Agora olhe-se com mais atenção: Era um acordo decisivo e importantíssimo - tratava-se de salvar a economia norte-americana (e, em larga medida, a de todo o Mundo) -, estava negociado e aceite pelos “chefes” mas... foi chumbado, já que “os eleitos pelo povo” não se deixaram instrumentalizar, não permitindo que outros fossem donos do seu voto e da sua consciência.
Curioso, não acham? É que, apesar de todos os defeitos e problemas do regime norte-americano, os representantes do povo prestam efectivamente contas aos seus representados e não, como por cá, àqueles pequeninos chefes que vão conspurcando os pilares mais básicos de uma democracia, como sejam as liberdades de opinião e de voto – já para não falar no pequeno pormenor do direito a transportar uma consciência limpa...
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